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30.1.07

É tarde demais¹...


Eles já haviam terminado há uns três anos e mesmo assim ainda se viam quando ele voltava a cidade. Se encontraram por acaso na saída de uma livraria e como sempre acontecia ele a convidou para jantar, conversar, fazer planos que nunca se cumpririam. Ela aceitou o convite, afinal, o que teria a mais? Já conhecia todo o discurso com juras de amor eterno que a iludia todas às vezes que ele voltava, e que partia seu coração quando ele ia embora sem avisá-la, sem se despedir.

Ela sofreu demais, pensou que nunca mais encontraria um amor como aquele; puro e sublime. Com todas as diferenças de criação, postura diante da vida e escolhas ele ainda era tudo que ela desejava. Murchou durante três anos como uma flor que não é regada, e, quando chovia - quando ele retornava cheio de promessas fáceis - ela se agarrava àquelas gotas e se sentia viva novamente. Mas, como chuva de verão que dura apenas algumas horas e destrói tudo ao qual toca ele novamente ia embora a deixando esperançosa aguardando o próximo verão, quando retornaria com mais história a contar e vida vivida.
Entre lágrimas, depressões, livros, terapia, fiel escudeira e com o coração partido ela foi vivendo, sobrevivendo: Sonhos, planos, procura incessante por ele em todos que cruzavam seu caminho, decepções e a certeza que no próximo “verão” ele retornaria e ouviria mais uma vez que foram “feitos um para o outro”.

Um dia ao se olhar no espelho percebeu o quanto se fez mal. Deixou de sorrir como fazia antes, se fechou para o mundo, adoeceu, emagreceu, se puniu, se “desamou”, permitiu sofrer dia após dia... Por nada. Por um alguém leviano que jurava amor eterno e ia embora no estante seguinte. Para quê? Por quê?

Entre sorrisos e perguntas de como está à vida eles foram se desarmando da tensão que os envolvia, já havia um ano desde o último encontro. Ela o olhava: continuava o mesmo. O mesmo sorriso, o jeito engraçado de falar, mas ela...Ela estava diferente. Já não sentia mais as borboletas na barriga, já não ria de tudo que ele dizia como se estivesse enfeitiçada e já conseguia até achá-lo pouco para ela, muito pouco. Conversaram muito, sobre assuntos diversos, se re-descobrindo. Foi quando notou enfim como todos esses anos os separaram, não de uma forma negativa, mas como o tempo curou as marcas. Já não o amava mais. Pela primeira vez em anos ela enfim conseguia sentir o que repetia dezenas de vezes em frente ao espelho, quando lembrava, sentia o cheiro, se questionava onde ele estaria, com quem ou fazendo o quê; Ela não o amava mais. Era uma pessoa que ela conhecia muito bem, bem a ponto de perceber que tudo o que ele dizia não mudou em nada durante todos estes anos. As mesmas desculpas pelos sumiços repentinos, o mesmo ar despreocupado como se a vida fosse uma grande festa, as mesmas histórias e promessas. Nada de novo, nada diferente e nem “palpável”.
Quando a conversa rumou para a pseudo-relação dos dois ela então conseguiu dizer da forma mais simples e sincera que havia acabado. Não havia mais nada para depois e que a partir daquele dia ela não o queria mais em sua vida e que tinha este direito. Não o amava mais. Nunca mais.

Se levantou mesmo com os apelos dele sobre: pensar melhor, que eles foram feitos um para o outro e que é amor o que ele senti por ela, sorriu para ele e foi embora.
Ao sair sentiu uma brisa tocar seu rosto como um afago e foi então que ela percebeu que voltara a viver a partir daquele instante ...


¹- “It´s too late”- Caroline King

2 Comentários:

  • Como sempre te digo (ou escrevo?) você consegue transportar para as palavras escritas sensações, sentimentos e ações em que muitos se identificam.
    Esse texto é pessoal, íntimo, mas com certeza muitos iram se encontrar nele.

    Você escreve com amor, com o coração, você tem brilho próprio!!

    Parabéns!

    Por Anonymous Anônimo, às 4:19 PM  

  • Eh, gostei da sua crônica - "É tarde damais" digo isso porque tem muito a ver comigo. Tb gosto de escrever assuntos como esse instigante. Vá em frente. Sucesso - Veja os meus e dê comentários... agradeço, colunista: Gilson Pontes

    Por Blogger Gilson Pontes, às 11:36 AM  

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